sexta-feira, 13 de junho de 2008

Valores (?) no Trem

De vez em quando eu escrevo uns contos, pra desenvolver a escrita e expressar algumas idéias. Abaixo segue um acerca da utilização da máscara dos gestos "bons" em relação a suas motivações. Eu geralmente descrevo mais elementos e não deixo muita coisa subentendida, mas este conto, em especial, tem mais pontos a deduzir. Segue abaixo:



Entrou rapidamente assim que a porta do metrô abriu. A cintura larga e a pele lisa davam a impressão de menos idade em relação ao que o cabelo totalmente branco e curto aparentava. Passou pelo banco reservado para idosos e fez uma careta de irritação. Havia dois jovens sentados, um rapaz com estilo de surfista e uma garota rechonchuda de bochechas rosadas e saudáveis. A preocupação com a falta de educação dos jovens impediu-o de reparar nos três lugares vazios que havia no vagão. Não se dirigiu aos que indevidamente ocupavam aquele banco, restringindo-se a transparecer sua irresignação em sua expressão facial.

Pouco depois, um outro senhor, esquálido e visivelmente fraco – o que era corroborado pela grande curvatura em suas costas – passou diante dos jovens. Os outros três lugares não estavam mais vagos, e os olhos do envelhecido homem dançavam buscando uma vaga para seu corpo, que continuava a mover-se arrastadamente.

Foi quando uma mulher obesa, cujas feições lembravam a de um porco, que estava sentada em frente ao senhor de cabelo totalmente branco, levantou-se e gentilmente cedeu seu lugar ao velho. De tão caquético, ele mal teve forças para agradecer, sentindo o alívio de escorar suas ancas já sem músculos em um banco qualquer.

O homem de cabelos brancos imediatamente iniciou um discurso venerando a atitude responsável e educada da mulher com cara de porco, ressaltando a falta de valores que assola a juventude dos novos tempos. O tom do discurso elevava-se juntamente com a aceleração do trem. A mulher reiterou as palavras que ouvia, dizendo que havia nascido em uma família marcada pela boa educação e pelos costumes humanitários, e seus gestos eram tão somente efeitos da boa criação que teve.

A jovem rechonchuda, atenta, ergueu-se e parou em pé, na frente do outro jovem, que dirigiu a ela um olhar de indagação. "Estão falando de nós", respondeu. O jovial rapaz, ao compreender a resposta, ergueu-se imediatamente e ambos permaneceram em pé, ao lado do banco reservado para idosos.O banco seguiu vazio, e assim permaneceu até que o trem chegasse à última estação, sob os ruídos do discurso exemplar do senhor de cabelos brancos atrapalhando a melodia das rodas em atrito com os trilhos.

Um comentário:

Unknown disse...

Meu bom, Croatan!
Muito interessante esse conto. Por vezes nos deparamos com cenas assim. Além, é claro, de vermos o quanto são estranhas as reações dos diversos tipos que compõem a cena. Parabéns pela forma com que narrou o conto. Gostei.

Grande abraço,

Andy