sexta-feira, 13 de junho de 2008

Inerte

Era só mais uma madrugada. A xícara com café continuava parada sobre a mesa, estática. A tela do computador pareceu menos nítida do que de costume quando fechou aquela janela em sua frente. Não se sentia mais ligada aos próprios braços apoiados sobre a mesa do teclado, e os olhos parados não mais fingiam. Seu corpo era finalmente um retrato de si mesma, o resultado final de uma equação cuja resposta ela insistiu em alterar por longos anos.


Não soube precisar o que de fato acontecera, e acontecer era algo que sua existência não concebia. Somente sabia que as cores já não eram tão vivas como antes. O café já não estava quente o bastante. Tinha sob seu controle tanto quanto possuiu quando acreditava ter tudo. Nada. Crenças não constroem fatos. Precisava agir, mas não conseguia mover um músculo sequer.


A respiração transpassava-lhe as cavidades nasais, causando na atmosfera fria do quarto uma ligeira nuvem. Céus, o que alguém mais faria em uma situação daquelas? Não havia alguém mais. Nem menos. Havia um único corpo inerte, deixando que os poucos feixes de luz artificial que adentravam seu quarto atingissem-lhe as costas.


Enquanto pensava, experimentava a sensação de um dejavu que faz dos fatos mais previsíveis. Pois não eram. E, como observadora inerte que era, somente pôde esperar e torcer por movimentos. Talvez espasmos. Alguém haveria de tirá-la dali. E logo.


Nada era tão simples. Simples como esperar que o sol surgisse e desse à grama o poder de crescer. Ou de querer crescer. Já não havia sinais de ânimo naquele corpo que ainda guardava vestígios de uma juventude recente.


Reparava cada vez menos nas cores, que naquela altura já se resumiam a tons de cinza espalhados como borras em uma tela que não fora exposta. Nada voltava a fazer sentido. Ou a parecer fazer sentido. Os carros na rua faziam mais barulho do que de costume. “Estou recobrando meus sentidos aos poucos”, pensou ao ouvir o som do movimento do lado de fora do quarto. E reforçou a idéia quando as cores voltaram a avivar-se em volta de seus olhos, embora não pudesse dar forma a elas.


Esperou – e esperar era algo que fazia bem – por mais alguns segundos para que pudesse interpretar o que sua visão tentava lhe mostrar. O som dos carros fazia-os parecer mais rápidos. E fortes. Talvez imbatíveis naquele momento. As cores ganhavam forma, finalmente.


Por fim, viu os tons de verde, vermelho e azul desenharem uma imensidão de flores, que caiam sobre ela aos montes, formando um desenho sem significado sobre sua silhueta, que era então o centro de órbitas que não podia alcançar.


As flores ganhavam novos coloridos, quando sentiu seu corpo puxado, na velocidade dos carros que aceleravam do lado de fora do quarto. Não sabia onde caía, mas não se importava com a ausência do chão. Jamais se preocupara com o solo em que pisava.


E quando as últimas flores lhe caiam sobre a face, ouviu alguém dizer, ao lado de seu ouvido: “Ide em paz”. E não fez tanta diferença para quem já era morta em vida.

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