sexta-feira, 13 de junho de 2008

Os Invasores

Eram vários. Eu tinha contado doze até o momento em que começou a sair da parede o que pensei ser o último deles. Ocupavam a sala, como se estivessem em uma festa esperando para cantar os parabéns. Ficavam mais perto de onde minha televisão ligada transmitia algum programa de auditório, como insetos que, à noite, ficam mais perto de onde há luz.
Mas não eram insetos. Tinham cabeças, braços, pernas, mãos e pés. De onde, diabos, vieram aqueles caras que saiam das paredes como quem sai de uma barraca de camping?
Fiquei pensando em cada um dos indivíduos que ocupava minha sala de estar e em quanto tempo permaneceram detidos por trás do bege claro que cobria todas as paredes do meu lar. Por quanto tempo um ser humano normal suportaria permanecer inerte? Nenhum deles parecia ser normal.
Apenas alguns instantes depois, sem sequer pensar no que aqueles homenzinhos estranhos fariam a seguir, percebi que já havia passado algum tempo desde que saíram das paredes. Só então voltei à racionalidade: o inexplicável não era eles terem suportado a inércia por tanto tempo, mas sim o fato de haverem simplesmente saído de paredes sólidas - até hoje lembro do trabalho que o encanador teve para consertar um vazamento no banheiro do meu quarto.
De fato, não eram normais. Tentei acordar, como acontece algumas vezes nos meus sonhos mais imbecis, mas não consegui. Eles estavam ali, os doze, andando lentamente pela sala, sem destino definido. Eram fortes o bastante para vencer a solidez das paredes. Não seria bom se decidissem que o seu destino era contrário ao meu.
Eu estava, naquela altura, na pequena bancada que delimita a cozinha, ou melhor, a área em que costumava preparar minhas refeições. Ao perceber que não sabia nada sobre os “invasores”, temi que pudessem, de alguma forma, atacar-me. Empunhei de imediato, num agir inconsciente, a frigideira que repousava sobre uma boca apagada do fogão. Ato contínuo, ergui o braço que a segurava e me senti ridículo. Estavam em maior número, e eu não iria muito longe com uma frigideira. Até onde eu havia contado, como já referi, eram doze.
Na verdade, naquele momento, aumentei a soma para treze, considerando o que vinha se arrastando do pequeno corredor que levava aos quartos. Ele vinha para a sala. E eu estava na sala. Eu não estava exatamente na sala, mas minha cozinha não chegava a ser um cômodo em separado. Eu podia ser o destino deles. Ou o alvo.
Mas também havia o fato de estarem em volta da televisão. Era noite, e talvez o alvo fosse a luz. A luz que vinha da televisão. Sim, eu ainda tinha chance. Talvez eles não me quisessem, e tivessem o único desejo de permanecer em volta da claridade – afinal, já era tarde da noite. A claridade que provavelmente não era tão poderosa quanto eles a ponto de adentrar as paredes e iluminá-los enquanto estavam reclusos. Tinham sede de luz. Pelo menos eu me convencia cada vez mais disso.
Mas não pareciam mais ávidos por iluminação quando um deles pegou um castiçal de bronze, que ficava na estante ao lado da televisão. Aquele objeto, que lembrava apenas a calmaria da luz de velas, parecia uma arma mortal nas mãos daquele estranho ser. Mais ainda em tão inusitada situação.
Eu, que já tinha largado a frigideira, deparado com tal cena, procurei nas gavetas por um cutelo. Mas eu não tinha um cutelo, apesar de ter sido esse o objeto que tentei encontrar. Fiquei satisfeito com uma faca de churrasco. E com um garfo de carne na mão esquerda, para garantir.
Havia perdido a noção do tempo. Foi então que percebi que senti meus joelhos cansados. A luz do dia que começava invadia aos poucos a sala pelas pequenas frestas nas janelas fechadas. Foi quando o primeiro feixe tocou o corpo do que segurava o castiçal que ele me olhou nos olhos. Parecia que finalmente teríamos o embate corporal pelo qual eu esperava desde que empunhei a frigideira. Em seguida, todos voltaram suas faces para mim. Foi então que atingi a certeza de que jamais poderia combater a todos.
De que maneira eu sobreviveria a um conflito corporal com treze seres humanóides? Eles estavam todos prestes a agir de acordo com o que o tempo – o qual eu jamais pude medir – de clausura nas paredes lhes condicionou. Qual a agressividade que se deve esperar de quem passou encarcerado um período de tempo indefinível? A dúvida sobre a ação que seria praticada por todos os invasores fazia-me temer cada vez mais. Cheguei, então, a o ponto de desejar apenas não sofrer.
Foi então que eles fizeram o óbvio. Desviaram os olhares que antes miravam minhas órbitas oculares, abriram as janelas e, um a um, foram deixando meu apartamento no segundo andar, ampliando a cada passo as fronteiras marcadas em seus mapas ainda não desenhados.

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